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Combater o assédio sexual pode acabar com o jogo de sedução?

Combater o assédio sexual pode acabar com o jogo de sedução?

O movimento #MeToo, que expôs uma série de assédios sexuais na indústria cinematográfica, teve seu auge durante a entrega do Globo de Ouro de 2018, quando as atrizes vestiram preto em apoio à luta.

Em resposta ao movimento, personalidades francesas, entre elas a atriz Catherine Deneuve, lançaram uma carta aberta contra o movimento, dizendo que ele enfraqueceria ainda mais o papel das mulheres e deixaria a porta aberta para a opinião pública punir homens antes de serem condenados pela justiça.

Mas, afinal, qual o limite entre dar voz às vítimas de assédio e impedir que linchamentos públicos aconteçam antes de ouvir o acusado? E mais: como essa onda de acusações de assédio sexual transforma as relações pessoais no ambiente de trabalho e como ela afeta a sedução entre as pessoas nesse e em outros ambientes?

Mais empatia, por favor

A evidente polarização que o mundo está vivendo tem uma característica principal: a falta de empatia. E, no caso do movimento, isso acontece com os dois lados: quem levanta a bandeira contra o assédio e quem vai contra a bandeira. “Atualmente, é necessário transformar a forma como estamos estabelecendo as nossas relações. Empatia, respeito e ética estão extintos”, acredita a neuropsicóloga Carla Salcedo, de São Paulo.

Ela acredita que essa intolerância cria um abismo entre homens e mulheres. “De um lado, alguns homens que buscam a sedução saudável se posicionam de forma insegura, com medo de serem mal interpretados. De outro, homens se colocam como superiores às mulheres e se tornam agressivos”, analisa a neuropsicóloga.

A psicóloga Adriane Nascimento, de São Paulo, concorda que essa polarização torna qualquer movimento menos eficiente. “Como não há um diálogo aberto e franco quanto às convergências e divergências entre a sedução e o assédio, o atual combate ao assédio tem sido ineficaz. Ele está mais a serviço da polarização da sociedade do que da real conscientização”, diz.

E o limite entre um assediador e um sedutor é claro: o sedutor busca admiração por atrair e encantar através de suas qualidades, sejam quais forem. A sedução é um jogo de papéis alternados, que pressupõe um ritual cuidadoso. Já o assediador busca tal admiração através da coação e impõe seu desejo ao outro.

“O assédio é entre desiguais, porque um dos elementos da relação dispõe de formas de penalizar o outro lado”, explica a neuropsicóloga Elaine Di Sarno, de São Paulo. Um convite, por mais constrangedor que seja, pode ser recusado, já uma intimação é diferente. “O assédio é uma barganha sexual exigida em troca de alguma coisa”, completa Elaine.

Uma questão de gênero?

O assédio não distingue gênero, pode ser feito por mulheres ou homens, mas não dá para negarmos que o ambiente de trabalho ainda põe o gênero feminino em desvantagem, seja com os salários estatisticamente mais baixos, seja pela visão de que algumas características femininas têm menos valor no mundo profissional.

E conforme aumenta a participação da mulher no mercado de trabalho, cresce também a sua exposição ao risco do assédio. Mas também é verdade que, cada vez mais, a mulher tem sabido merecer o respeito e a admiração de seus chefes, pares e subordinados. “Eles reconhecem que a presença crescente da mulher nos locais de trabalho modificou as feições das organizações e sacudiu o universo masculino de diversas formas, pois a mulher tem a preocupação de estar sempre aprendendo, além de precisar provar ser mais competente que um homem, mesmo quando ocupa cargos semelhantes”, acredita Elaine.

No entanto, ainda falta muito para falarmos em igualdade. O relatório anual do Fórum Econômico Mundial de 2017, que envolve 144 países e analisa a situação entre sexos nas áreas de trabalho, educação, saúde e política, informou que a desigualdade entre homens e mulheres voltou a crescer depois de uma década de avanços constantes em matéria de igualdade entre sexos.

Por isso, esse assunto ainda tem muito a ser debatido. Só não dá para, nesse processo, esquecermos que o ser humano é sexual e pode se sentir atraído pelo outro em qualquer ambiente. O desafio é encontrar o tom de equilíbrio da sedução saudável, onde os dois têm seus desejos respeitados. Empatia, empatia e empatia.

 

Illustration Istockphoto

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